sábado, 3 de julho de 2010

Teatro: "Meias Verdades", de Tiago Dias


No fim-de-semana passado assisti à antestreia de uma peça de teatro, "Meias Verdades", que além de retratar exactamente as meias verdades que compõem a sociedade, fez-me reflectir sobre a falta de realismo que as conversas entre homens ou mulheres traduzem. Recorrendo a sucessivas analepses, é-nos feito um retrato das conversas entre homens na tradicional "tasca" e as conversas entre mulheres no cabeleireiro. De notar que em ambos os locais existe uma personagem conotada como homossexual. Apesar de não passar de ficção, é do meu ponto de vista, uma crítica bem real aos vícios sociais. Do lado dos homens, todos se gabam de mandarem nas suas esposas, de terem total controlo sobre elas e de terem sempre a última palavra. Do lado das mulheres, todas dramatizam as situações vividas em casa, transformando-se constantemente em vítimas. Com recurso às analepses damo-nos conta que nenhum dos discursos adoptados é verdadeiro. E que a felicidade dentro de 4 paredes, reside apenas entre o casal homossexual, que representa na recta final, o símbolo de crítica directa às conversas de homens e mulheres.
Esta situação leva-nos a reflectir na demagogia de homens e mulheres. A sociedade em geral, continua a querer deixar uma ideia falsa, daquilo que cada um é. Cada um sabe de si, é claro, no entanto este ciclo é vicioso e tende a crescer. Cada vez mais se vive da imagem, de puras máscaras que não nos mostram nada do interior. As pessoas importam-se apenas com a sua aparência, com o que se pensa sobre si, com o que deixam passar para o exterior, com os julgamentos que eventualmente se possam fazer. Vivemos rodeados de farsas, perdem-se ambições, perdem-se objectivos, perde-se a racionalidade que compõe cada um de nós. Não percebo o objectivo de viver num Mundo de fantasia, onde nada é real, onde a máscara impera. Cada um destes mascarados, vive cada segundo com medo que a máscara caia, e se perceba o que está atrás dela.
É aqui que assenta a ideia que retirei da encenação. Os homens vangloriam-se de ter poder sobre as suas esposas, as mulheres queixam-se do desprezo dos homens. A emancipação da mulher, está totalmente ausente, neste tipo de pensamento. A igualdade fica guardada para mais tarde, quando casais como estes percebem que levam uma vida social irreal. Trata-se apenas de vida social, pois é em sociedade que a farsa existe. Não defendo nenhum dos sexos, simplesmente porque esta atitude encenada, e que bem sabemos ser real, não tem cabimento. O homem continua a ser o símbolo do poder, e a mulher o símbolo do queixume. Não há volta a dar, quem não tem mais em que falar e em que pensar, continuará a ser assim e quererá sempre passer melhor do que aquilo que realmente é. Cada um é como cada qual e não é de todo benéfico levar uma vida escondida por trás de uma cortina. É ainda o fim desta peça que me surpreende, o facto de os dois homens, homossexuais, emitirem uma espécie de crítica aos homens e mulheres, devido ao que ouvem nos locais de trabalho e sabem não ser verdade. São estas duas personagens que representam um casal realmente concretizado. Sabemos que nem sempre é assim, mas é um óptimo ponto de partida, e para mim um óptimo ponto de reflexão para aqueles que negam certos direitos a casais homossexuais. Pelo menos, estes não vivem na farsa. E se lutam pelos seus direitos, é porque dão cara pelas suas escolhas e têm orgulho em si mesmos.
Deixo ainda os parabéns a todo o elenco da peça, que sendo composto por amadores (Grupo de Teatro do GIPA), fizeram o papel de verdadeiros profissionais. Espero ainda pela estreia desta peça e pela nova encenação. Sem dúvida uma comédia que nos pode levar a uma realidade pesada que se vive em cada esquina da sociedade.

3 comentários:

  1. Muito obrigado pelo texto. Quando escrevi esta peça era essa mesma ideia que desejava transmitir e fico contente que tenha gostado.

    Ate breve
    Tiago Dias

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  2. António Louro Costa6 de julho de 2010 às 01:20

    Alexandra, admirei a sua análise á peça por nós representada. Chegou ao centro da questão. Entendeu, na perfeição o que se pretendeu transmitir, que, como o Tiago disse, era isso mesmo. Muita água há-de correr por baixo das pontes, muitas coisas se escreverão ainda, antes que a mentalidade desta sociedade mude. Felizmente que há excepções, mas estas só confirmam a regra.
    Obrigado pela sua análise e venha sempre que nós fizermos alguma coisa, até para nos avisar do que, eventualmente, não esteja tão bem conseguido.
    Até breve
    António Louro Costa

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  3. Obrigada a ambos pela apreciação.
    Fico contente que tenha entendido a peça exactamente da mesma forma como foi pensada e representada por vocês.
    Continuei a estar presente com todo o gosto. Bom trabalho!
    Alexandra Domingos

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