sábado, 4 de maio de 2013

A carta à troika e aos outros



Exmo. Sr. Abe Selassie, Chefe da delegação do FMI em Portugal
Exmo. Sr. Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República de Portugal
Exmo. Sr. Vítor Gaspar, Ministro das Finanças do Governo de Portugal

É sangue português aquele que me corre nas veias e alma lusitana aquela que preenche o meu ser. Nascida num outro país do centro da Europa, mas genuinamente portuguesa. Tenho orgulho neste país que descobriu o Mundo, que levou a língua portuguesa até aos mais ínfimos recantos e que canta o Fado, o sentimento mais português.
Do alto dos meus 18 anos, estudo Economia, numa universidade pública da distinta cidade de Lisboa. Diariamente, estudo a história, os livros, as teorias, os fenómenos, os estudos. Nestes, estudo as condicionantes, os pressupostos, as incompatibilidades e os erros. Afinal, nenhuma teoria se aplica à prática. Ao mesmo tempo, diariamente, assisto a um Portugal sem rumo, sem norte ou sul, sem pulso.
A minha geração é hoje o alvo fácil, estamos condenados a pagar algo para o qual não contribuímos, convidam-nos a emigrar, abandonar o país sem estudar ou produzir. A aposta na minha geração é hoje igual a zero, a nossa educação é cara para o Estado e igualmente não nos dão oportunidade de retribuir esse investimento. Quem pode negar o atrevimento jovem, a irreverência ou o espírito empreendedor?. Olho para o lado, eu ou o meu colega de curso, quem terá ‘sorte’ ou ‘azar’. 38,3% dos jovens estão desempregados. Simplesmente, estamos condenados, os sonhos acabaram.
Aos meus avós, que trabalharam toda uma vida, vão-lhes tirando o pouco que ainda têm. Aos meus pais, exigem impostos e contribuições, aquilo que amealharam fora e trouxeram de volta para o seu país, é hoje inexistente.
Levanto-me todos os dias e saio de casa, para aprender mais e procurar algo de novo, uma diferença. Faço a minha intervenção cívica que considero essencial para me completar como ser humano. Mas agora pergunto: qual será o meu futuro? Abandonar o país que me educou, não exercer a profissão com a qual sonho ou simplesmente sobreviver na sombra de alguém?
Todos estes dias em que ainda sonho, rapidamente o real se transforma num pesadelo. Em cada esquina alguém tem fome, alguém pede ajuda, alguém dorme na rua, alguém simplesmente perdeu tudo. Ainda assim, querem fazer-me crer que valerá a pena os cortes, os impostos e as contribuições. A impotência de não poder dar a mão ao outro, de ajudar ou minimizar o seu sofrimento, consome-me.
Depois desta crise económica, social e de valores, quantos milhares de pessoas terão emigrado, ficado para trás ou simplesmente desaparecido deste Mundo? Ainda assim, dizem vocês que valerá a pena. As fórmulas de Excel, tantas vezes erradas, não consideram as pessoas, as famílias destruídas, o país condenado à sobrevivência.
As teorias refletem o passado, as fórmulas são matemática. O presente é um país empobrecido, que retira aos seus cidadãos aquilo que pouparam, para pagar o que outros esbanjaram, endivida a atual geração de jovens e ainda assim não consegue recuperar, porque não investe, não arrisca e não se atreve.
Não reconheço Portugal. A aventura, a atitude, a ousadia e o atrevimento de outrora, o espírito de descoberta que corre no sangue de cada português, onde estão afinal? Quem vos levou?
O futuro é uma incógnita, as certezas de ontem são as incertezas de hoje. As incertezas de hoje são os problemas de amanhã. É tudo tão simples e tão difícil, tão claro e tão negro num momento só.
A vocês, que governam este país, que comandam a nação, que lideram a Europa ou que mandam no Mundo: os meus 18 anos trouxeram-me certamente menos do que as vossas décadas de vida e experiência, o meu primeiro ano de curso em Economia ensinou-me manifestamente menos do que os vossos estudos. Mas Portugal, esse sim, é o mesmo para mim e para vocês, teremos maneiras de o olhar diferentes ou simplesmente os vossos interesses serão mais altos que os meus?
Despeço-me, respeitosamente.

De mais uma jovem que deixou de acreditar,
Alexandra Domingos

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