domingo, 20 de junho de 2010

"Não há palavras, Saramago levou-as todas."

É verdade, não há palavras para dizer quem foi e quem será sempre José de Sousa Saramago. A minha primeira reacção à notícia da morte de José Saramago, foi um grande "NÃO!" com os olhos cheios de lágrimas; fui percorrida por um forte arrepio. Este sentimento não foi à toa, nem em vão. Recuando duas a três semanas no tempo, apresentei um trabalho sobre a obra e a vida de José Saramago, incidindo na sua poesia. Não foi de todo fácil, quer pelos seus traços particulares quer pela escassez de análise da sua poesia. A sua narrativa, foi o que fez mover páginas e páginas por esse mundo fora. Tocou-me a forma como progrediu, a forma como lutou, a forma como encarou a vida e como aceitou o que tinha. Uma família muito pobre que não podia dar grande grau de instrução a Saramago, mas que soube dar a volta. De serralheiro mecânico, a jornalista e só para lá dos 50 anos, escritor. Uma descoberta da sua vida, bastante tardia que o levou ao Prémio Nobel da Literatura.
Ateu e comunista, duas características, duas convicções que sempre o definiram e que nos fazem perceber a realidade da sua escrita. Foi criticado, esteve rodeado de polémicas até ao dia da sua morte, adorado por uns e indesejado por outros. O preconceito imperou na relação de parte dos católicos com José Saramago. Era um homem sem problemas em admitir tudo o que pensava, e criticava de forma ardente o que achava incorrecto e a tirania do país onde nasceu. E por esta razão estava de certo modo refugiado em Lanzarote desde 1992. Foi Pilar del Rio, o seu grande pilar, e que ficou até à morte a seu lado. Continua a comover-me a história deste Homem.
Hoje, no dia do seu funeral foram muitos os que choraram, mas também foram muitos os que passaram ao lado. No meu ponto de vista, Saramago foi e será um símbolo da nação. Está tão alto como Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner ou outros grandes escritores que de nós, fazem parte. Um homem da crítica, do argumento e sobretudo de desmascarar. Vulgarmente, "sem papas na língua". Cerimónias devidamente honrosas, com discursos sobretudo sentidos e comovidos pelas mais diferentes entidades. Notada uma forte ausência. A ausência do Presidente da República, não foi bem recebida e não será bem digerida. Afinal de contas Cavaco Silva diz-nos que não conhecia, nem era amigo de José Saramago, e cumpriu o seu dever ao enviar a sua mensagem de condolências e um representante, que nem ficou nas cerimónias. Fica aquém das expectativas, a atitude do PR. A ferida do passado foi profunda, e só a superfície ficou disfarçada. Tudo o resto está bem patente no dia-a-dia. A consciência pesará de certa forma. Dois dias de luto nacional promulgados, foi esta a única atitude digna e mais que óbvia de Cavaco Silva.
Um homem que lutou pela liberdade, pelas suas convicções e pela dignidade. Será sempre recordado, será eterno. A sua memória e o legado que nos deixa, jamais serão esquecidos. Fica ainda a esperança que as suas cinzas, ficando em Lisboa, sejam depositadas no Panteão Nacional, ao lado de figuras como Amália Rodrigues ou Aquilino Ribeiro. E simplesmente "Não há palavras, Saramago levou-as todas". Fica tudo dito. Até sempre Saramago.

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