sábado, 1 de maio de 2010

Carta a 70 anos de vitória

"Passaram 70 anos desde aquele dia 26 de Abril de 1940. Aparentemente um dia tão normal como todos os outros. Mais uma criança nascia numa localidade do interior do país. Na altura um local populoso, onde apesar da distância da cidade havia muita gente capaz de vingar na vida. Sernancelhe, assim se chamava e chama, a pequena vila do concelho de Viseu.
Joaquim Santos, tu que foste a tal criança, nascida a 26 de Abril, és passado 70 anos, marido, irmão, pai, avô, sogro, tio e cunhado.
Uma vida de autêntica luta. Tempos de menino, em anos em que a fartura não abundava, mas em que sempre conseguiram dar-te comida, roupa e cama lavada. O campo era o recurso, o cultivo era diário. Trabalhos árduos de sol a sol, para que nunca te faltasse o essencial. Um jovem adulto que defendeu a pátria, partindo rumo ao desconhecido africano. Uma guerra tão despropositada e tão violenta, mas que para ti acabou bem. Ficam as marcas de cenários tristes que nunca desaparecerão, e alguns momentos sorridentes pelas pequenas vitórias num solo tão duro. Não esquecemos os teus relatos duros e tristes do que foi preciso passar e da distância do país, que nos deixam à mercê das lágrimas. Esta etapa passou, vindo logo outra a seguir. Um casamento com uma mulher da terra. Mulher essa que tens ao teu lado e te acompanha à 45 anos. Deixaram aquela terra escondida, para rumar à cidade. Procuraram uma nova vida, onde encontraram novas pessoas. As Finanças, foram o teu destino onde permaneceste até à reforma. Um empregado sempre fiel, que progrediu na carreira, saindo pela porta dos grandes vitoriosos. Nessa nova cidade, surgiram as duas filhas que hoje aqui estão a teu lado. Filhas atentas, que devem o que são hoje, aos pais que têm. Um pai que não deixava faltar nada às suas meninas. O tal pai que queria ter tido um filho rapaz, mas que se deixou conquistar pelo sorriso de uma menina. Foi também por elas que deixaste aquela fase que fez sorrir menos as tuas três mulheres da casa. A vontade de as acompanhar, de as continuar a ver crescer, falou mais alto e voltaste a ser um vencedor. Bem sabemos o esforço, mas valeu a pena pois de outra forma poderíamos não estar aqui hoje. As filhas cresceram, emigraram, casaram e tiveram filhos. Tantas etapas, tantas decisões que tomaram. Trouxeram-te 3 netos. Netos que te adoram, que relembram os passeios no jardim ou na rua, ires levá-los ou buscá-los à escola, ensinares-lhe a ciência da agricultura. Apenas queriam emitar o avô, na sua ingenuidade de criança.
Bem sabemos o valor deste homem que aqui tens, o teu irmão. Irmãos cúmplices e amigos. Espelha-se a felicidade e os olhos brilham quando estão jntos. Poderíamos dizer que são iguais. Irmãos de sangue e de coração, que mesmo com alguns quilómetros de distância, são unidos pela força e a própria personalidade forte que vos caracteriza. Irmão, este que te deu uma cunhada e um sobrinho como seriam de desejar. Tens neles um pilar e um suporte. São eles mais uma razão de ti.
E não, não esquecemos os dois genros. As tuas filhas foram bem ensinadas e tiveram tiros certeiros. De certeza que os dois te deram preocupações, mal tu sabias que casariam com as meninas do teu coração. Admitimos logo que são muito diferentes, mas o mais importante é que não desiludiram. São como filhos, e para eles és como um segundo pai, que acabou por lhes ensinar muito.
Sabes, tudo o que possa ter sido dito agora, não foi em vão. Procurei o mais intimamente superficial, sabendo que ficaria aqui horas sem fim, para conseguir contar e dizer tudo. Tens uma vida, que tanto caracterizo com vitórias. Falo agora na primeira pessoa, porque aqui exprimo o que eu, quinze anos depois, aprendi sobre ti. Tive que exercitar a memória, mas acho que consegui transformar esta folha, num pedaço de história. O nosso Quim ou por outro lado o senhor Joaquim Santos, para os menos íntimos.
Este dia é teu, nós somos teus. Hoje somos a maior parte desta pequena família, de onde sou a mais nova, mas que me aventurei em palavras. Palavras que querem apenas demonstrar-te o verdadeiro sentimento que nutrimos por ti.
De nós todos, um grande obrigado pela pessoa que foste, és e serás sempre."
Uma carta dirigida ao meu avô que fez 70 anos. Publico-a hoje, apenas porque hoje é um dia de emoções fortes em que terá uma grande surpresa. De Lisboa, do Porto e da Suiça chega a família para lhe fazer uma festa. Ele não faz ideia de nada, mas merece muito mais. Esta carta foi escrita em nome da família e será lida mais logo no jantar.
Um homem da guerra colonial, das Finanças durante a ditadura e que conseguiu deixar o álcool com a simples frase de um médico "Quer ver as suas filhas crescer?". Um homem de vitórias!
Até às próximas notas caríssimos.

1 comentário:

  1. Obrigada minha filha pela tua carta ao meu pai, um heroi sem dúvida e um homem que me marcou muito.Lindo.Em nome de toda a familia ADORAMOS.
    Beijinhos
    Mãe

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